Café Creative Design

Café Creative Guatemala: Algodones Mayas

Café Creative é uma série de entrevistas com designers e pessoas criativas que usam a sua arte para o bem.

Recentemente, visitei a Guatemala na minha primeira viagem à America Central. Por mais que eu tenha passado apenas três dias lá (dois e meio, na verdade) pude explorar um pouco de Antígua e Ciudad de Guatemala e aprender sobre a arquitetura, cultura, e religião do período colonial no país.

A melhor parte da minha viagem foi, sem dúvida, minha visita à loja Algodones Mayas, uma boutique de produtos artesanais feitos de algodão. A empresa foi fundada há 25 anos com o objetivo de preservar a cultura da Guatemala, sua terra, suas cores naturais, e seus tecidos. Para fazer isto, eles cultivam o algodão Ixcac-Cuyuscate e preservam a sua cor natural. Algodones Mayas trabalha com artesãos ao redor do país para criar versões contemporâneas e inovadoras das estampas e dos métodos tradicionais. Eu tive a oportunidade de conversar com Luisa Villavicêncio, dona e diretora criativa de Algodones Mayas, sobre inspirações, motivação, e colaborações culturais.

 

Me conte sobre a missão de Algodones Mayas.

A missão é preservar a tradição de tecelagem na Guatemala. Essa foi a visão original da minha mãe. Meu pai queria preservar a cor marrom do algodão que os Mayas usavam para tecer as suas roupas. Juntos, eles combinaram as suas visões para criar Algodones Mayas. Meu pai começou a cultivar o algodão marrom, daí ele desenvolveu o algodão verde, e trabalhou com artesãos que os transformou em linha.

O que ele fez na época, que é o que fazemos até hoje, é dar a linha aos artesãos e providenciar a eles um emprego consistente e confiável. Com o passar dos anos, pude conhecer todos os artesãos—temos mais ou menos 250…

De toda a Guatemala, ou de regiões específicas?

De toda a Guatemala. Eu crio com eles, com as suas estampas tradicionais. Então tive que aprender sobre todas as estampas e agora trabalho com eles para criar produtos contemporâneos, como acessórios, peças de decoração, etc. Já participamos de feiras em Paris e Nova Iorque, exportamos nossos produtos, e trabalhamos com designers nos EUA, Portugal, França, Suiça… Também produzimos uma linha exclusiva, na qual trabalhamos com designers ao redor to mundo para adaptar as suas estampas às nossas. Sabe, usamos um processo de tecelagem em tear, então não dá pra fazer círculos ou coisas do tipo. E quanto às cores, não temos vermelhos vibrantes, etc. Temos apenas as cores naturais do algodão e do jeans reciclado—e só. É tudo susteintável e eco-friendly.

Adoro isso. Ver uma empresa que é tão focada em cultura e no meio ambiente é um ótimo exemplo de como o design pode fazer a diferença no mundo.

Exato.

Você ficou encarregada da empresa da sua família. O que isso significa para você? Como que você contribuiu o seu toque pessoal à missão de Algodones Mayas?

É uma sensação maravilhosa. É tão importante saber que estamos apoiando outras famílias. Para mim, o mais importante é sempre ter trabalho para eles, para que eles ensinem os seus filhos à tecer. Assim, seus filhos não tem que vir aqui [às metrópoles] para encontrar um emprego—eles podem aprender as técnicas tradicionais e viver disso. Agora estamos trabalhando com tecelãs e tecelões de terceira geração, então acho que estamos fazendo algo de bom para o país!

No nosso catálogo, você não encontra nada super tradicional. Estamos mudando a cada dia. Eu crio com eles, e todos os nossos produtos são adaptados para os mercados internacionais. Eu amo o que eu faço.

Dá pra ver!

Porque é verdade! Eu amo os meus artesãos, eles são como a minha família. Alguns deles estão conosco há 25 anos. Eles trabalham tão bem, e a qualidade é tão alta… estamos sempre inovando.

Você já incorporou ideias inovadoras dos próprios artesãos nos seus produtos?

Sem dúvida. Adaptamos muita coisa, já que somos limitados pela técnica feita à mão. Mas eu tenho que dizer—quando eles vem até mim com desenhos, eu fico sempre super impressionada. Nós desenhamos aqui—eles vêm aqui, trabalhamos juntos, e quando eles voltam com novas ideias, é maravilhoso. Eu mal posso acreditar no que vejo!

Me conte um pouco mais sobre o processo de design. Quando você está com um artesão, como é o processo de criação de um novo produto ou uma nova estampa?

Bom, sempre que eu tenho uma ideia, eu faço um esboço com as cores e os tamanhos. Mas eu tenho que esperar, porque nunca vai sair exatamente do jeito que eu imagino. Do dia em que nos encontramos e decidimos os novos produtos, leva mais ou menos dois ou três meses para eles adaptarem as estampas e fazer amostras o suficiente para chegarmos ao produto final.

É um processo colaborativo.

Sim. E agora que temos Whatsapp e smartphones é bem mais fácil. Trocamos fotos, etc, e isso nos economiza muito tempo!

Já aconteceu de você ter algo em mente, dar um esboço a um artesão, e ele fazer algo diferente mas que foi ainda melhor do que você imaginava?

Isso acontece sempre!

Então eles sabem que podem ser criativos com o que você dá a eles.

Claro. Por exemplo, aquele ali [apontando a um produto novo] foi criado entre mim e um artesão. Fizemos para uma feira em Taiwan, e nos levou mais ou menos um mês para criar o que queríamos. Muitos dos nossos produtos são coisas que eles mesmos desenharam. Eu sempre peço para que eles estejam inspirados—para levar os nossos esboços e serem criativos. Porque se eles colocarem a sua criatividade no processo, é muito melhor, já que eles são verdadeiros artistas.

Adoraria ouvir mais sobre as cores, já que quando as pessoas pensam sobre tecidos Guatemaltecos, eles pensam em rosas vibrantes, azuis, etc. Você mencionou que o algodão em si é marrom e que o seu pai queria preservar as cores naturais.

É verdade! Nós somos os únicos com estas cores.

Então como que você chegou a essa paleta de cores?

Nós não usamos tintas. Usamos apenas as cores naturais do algodão. Você vai ficar super impressionada com isso aqui [abre uma foto de uma planta de algodão laranja]. Essa cor aqui é do próprio algodão!

Nossa! Até o azul e o verde?

O azul não. O azul vem de jeans reciclados. O New Denim Project é novo aqui na Guatemala, reciclando as sobras das fábricas que produzem jeans. Eles reciclam tudo e fazem novas linhas. Eu adoro essa cor, e adoro o projeto. Ele se encaixa perfeitamente na nossa visão. Eu incorporei o jeans há dois anos e meio, e foi ótimo para o nosso negócio porque é uma cor que agrada a todos.

É verdade! E a cor do jeans complementa muito bem o resto da sua paleta de cores, e dá um contraste bacana. Até o verde é natural?

É, deixa eu te mostrar uma foto.

Eu não fazia ideia que existiam algodões de tantas cores diferentes. O laranja é muito lindo! Então onde é cultivado o algodão de vocês?

É cultivado em Escuintla, perto da costa.

Deve ser lindo. Uma das coisas que mais me marcaram quando olhei as suas coleções é que elas têm um equilíbrio ótimo entre estampas têxteis tradicionais e estilos contemporâneos. Como que vocês alcançam esse equilibro?

Bom, eu estou sempre viajando, lendo, e estudando design. É muito claro pra mim que se você não inovar, você não vai pra frente. Muita gente faz o que eu faço, e graças a Deus temos muito trabalho para os nossos artesãos. Mas pra eu estar nas feiras em que eu estou, eu preciso de design inovador que se alinha à tendências internacionais. Então estou sempre pensando em como fazer isso. E os artesão estão muito cientes disso, e estão dispostos a adaptar as tecelagens o máximo possível.

É um grupo que seleciona a si mesmo, não é? Se você tiver tecelões que querem trabalhar só nos parâmetros tradicionais, não seria uma boa parceria.

Não tenho ninguém assim na minha equipe. Todos os artesãos com quem eu trabalho ficam muito animados em mudar, inovar. Parte do meu trabalho e motivá-los e incentivar a sua criatividade. O meu comprometimento é manter a nossa reputação de alta qualidade e de design superior.

Então os artesãos na sua equipe não vêem a adaptação como algo negativo, que talvez a tradição se perca quando os produtos ficam mais contemporâneos?

Não mesmo. Todos eles entendem e amam o conceito. Eles ficam felizes de saber que os seus produtos são contemporâneos, e eles adoram ver as fotos mostrando o alcance do seu trabalho—em feiras ao redor do mundo, etc.

É uma evolução da tradição, não o abandono dela.

Exatamente. O design é todo deles. A única coisa que eu faço é ajudá-los a adaptar o conceito para dar um apelo internacional aos produtos. Eu estudo as estampas tradicionais to tempo todo, e com o tempo eu aprendi o que é ou não possível fazer com as técnicas, e partimos daí.

Tem alguma região ou algum estilo que mais te inspira?

Não. Eu me inspiro em várias tradições. Óbvio que depende também da estação, das tendências, etc. Então às vezes trabalho mais com alguns artesãos durante uma temporada e menos na próxima. Mas o nosso objetivo e o nosso comprometimento é ter oportunidades para todos eles. Eu estou sempre distribuindo o trabalho da maneira que der para que eu não os perca. É uma coisa emocional, mas também é uma questão de orgulho.

Quantas coleções você produz a cada ano?

Depende. Pelo menos duas por ano. A coleção Primavera/Verão tem cores mais claras, e a Outono/Inverno tem cores mais escuras. Isso para as feiras e exposições, mas se você for à nossa loja em Antígua vai encontrar um pouco de tudo.

Por último, você pode me contar um pouco sobre a coleção que você está desenvolvendo agora?

Estamos trabalhando numa coleção para duas feiras que teremos em breve, uma em Paris e uma Guatemala—a New World Trade Show. Ela destaca os melhores designers da Guatemala e tem compradores vindo do mundo inteiro. Em Paris, estaremos na Maison&Objet.

Luisa, muito obrigada por ter conversado comigo!

Eu que agradeço por você ter escolhido a Algodones Mayas!

You Might Also Like