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Sobre Cidadanias

Em Abril deste ano, eu virei uma cidadã americana. Agora tenho tripla cidadania—brasileira, italiana, e americana. As primeiras duas eu tenho desde que nasci, mas o processo de naturalização aqui nos EUA me fez pensar muito sobre o que realmente significa ser cidadã de um país.

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Nasci em São Paulo, descendente de Italianos e Portugueses. Acho que eu só aprendi que eu tinha duas cidadanias quando tinha uns 10 anos, e mesmo assim não entendia direito o que isso queria dizer. Culturalmente, acho que sempre fomos bem italianos. Mas vira e mexe a nossa família recebia cédulas de voto italianas (sempre atrasadas, aliás, típico do governo italiano! rs) para plebiscitos que não podíamos nem entender—ninguém na minha família fala a língua. Com o português, vocês sabem, até que dá pra entender uma boa parte, mas não o suficiente pra realmente ter uma opinião e poder votar. Então confesso que aos meus olhos sempre fui uma péssima cidadã—não falava a língua, nunca tinha visitado o país, nunca tinha votado… Até chegar na faculdade.

Aprendendo a ser italiana

Encontrei a Embaixada Brasileira em Roma
Encontro de culturas: a Embaixada Brasileira em Roma

Na minha universidade, todos os alunos de humanas (quem é de humanas põe o dedo a-qui!) tinham que completar três semestres estudando uma língua. Considerei várias, mas acabei optando pelo italiano para conhecer mais sobre a minha família, nossa história, e quem sabe ser uma cidadã mais prestativa. Sempre senti essa responsabilidade de ao menos conhecer melhor o país em vez de simplesmente colher todos os benefícios que a cidadania italiana me oferece.

Aprendi a língua super rápido. O português ajudou até um certo ponto, já que a estrutura gramatical das duas línguas é bem parecido, e o vocabulário também deriva do Latim. Depois disso, acho que o português atrapalhou um pouco, pelas línguas serem parecidas demais e ficar difícil de lembrar certas diferenças. Mas foi um processo de aprendizagem muito natural, e fiquei muito animada com a possibilidade de estudar na Italia e descobrir esse país que eu sentia ser uma parte de mim mas que ao mesmo tempo eu não conhecia direito.

Passei seis meses morando em Bologna, no norte da Italia. Quando passei pela imigração em Frankfurt e apresentei o meu passaporte italiano, o oficial me disse “Seja bem-vinda de volta à sua casa!” Foi uma sensação bizarra—a Italia era, sim, a minha “casa” mas eu nunca tinha estado lá. Senti duas emoções completamente diferentes: uma, a de ser uma completa impostora, e outra de animação por esse encontro que tinha levado 20 anos pra acontecer. Lembra do filme da Anastásia, quando ela quer voltar pra casa e ela meio que se lembra mas ao mesmo tempo não reconhece nada? Foi assim que eu me senti! (Agora essa música vai ficar na minha cabeça por um mês…)

A Università di Bologna é a mais antiga do mundo, fundada em 1088. Morei com italianos, as aulas foram todas em italiano, foi realmente uma experiencia 100% imersiva! Durante os seis meses que passei lá, pude apreciar o quanto da nossa cultura brasileira deriva ou foi influenciada pela italiana. O guarda em Frankfurt estava certo—me senti em casa, mesmo nunca tendo estado lá.

Rumo à cidadania americana

Eu e o meu marido celebrando a minha cidadania americana
Eu e o meu marido celebrando a minha cidadania americana

Depois da faculdade, me casei com o meu marido (que é americano) e decidimos ficar por aqui. A situação no Brasil em 2014 estava péssima (não que esteja muito melhor agora…) e por mais que eu quisesse voltar não fazia sentido. Até então, eu sempre tinha encarado a minha estadia nos EUA como temporária, quatro meses de cada vez; um capítulo super bacana da minha vida antes de voltar pro Brasil. Quando decidimos ficar nos EUA, tive que pensar sobre como seria ter raízes aqui e participar de verdade da minha comunidade.

Ao todo, foram quase cinco anos no processo imigratório americano, desde o começo do processo do green card até obter a cidadania. Nestes cinco anos, aprendi muito sobre a cultura americana (afinal não estava morando mais em um campus universitário), acompanhei uma eleição agonizante, e tive que pensar sobre o quanto a(s) minha(s) cultura(s) me diferenciava(m) ou aproximava(m) da cultura americana.

Esta semana, vou celebrar o feriado de 4 de Julho, o dia da independência americana, pela primeira vez como cidadã. A sensação é a mesma de quando fui pra Italia pela primeira vez—me sinto meio que uma impostora, mas também feliz de poder participar. Cidadania é um símbolo enorme de aceitação, e acho que essa aceitação é mais importante ainda por ser uma cidadania que eu escolhi.

Vivendo essa mistura

Semana passada, viajei pela primeira vez com o meu passaporte americano. Foi muito estranho, mas ao mesmo tempo me orgulhei de poder viajar com ele. Foram tantos anos, tantos documentos, e tanta ansiedade para que eu o meu marido chegássemos a este ponto! Chorei horrores durante a minha cerimônia de naturalização. Foi uma mistura muito forte de felicidade, orgulho, e muito, muito alívio. Ter ficado em limbo por cinco anos foi como viver com uma nuvem negra em cima da nossa cabeça; uma camada persistente de ansiedade. O seu pedido de naturalização pode ser negado por qualquer motivo—você preencheu uma mísera caixinha errado, um erro no sistema, ou o oficial que te entrevistou não foi com a sua cara. Só quem já passou por esse processo sabe como é. Assim que naturalizei, esse peso sumiu. Foi uma sensação incrível!

Agora, a cada viagem tenho que pensar quais passaportes tenho que trazer, já que cada cidadania me dá acesso a países diferentes. É uma representação muito real de que, no final das contas, cidadanias são inventadas. Eu sou uma pessoa só, mas quando chego num país novo, se eu mostrar um “livrinho” de uma cor, pode ser que não me deixem entrar, sendo que se eu mostrar outro, me deixariam entrar sem problemas. É importante distinguir entre cidadania e cultura. De uma certa maneira, a cidadania é o reconhecimento da sua identidade cultural.

Não sei quanto tempo vai levar para que eu me sinta realmente americana… Pra ser honesta, até hoje não me sinto 100% italiana! A única cidadania que eu sinto 100% é a brasileira, por ter nascido lá, crescido lá, e ter toda a minha família lá.

Hoje, me sinto meio que um caleidoscópio; cada pedacinho meu vem de uma cultura diferente. Pra ser honesta não sei se me encaixo 100% em nenhum dos três países, mas com o tempo percebi que talvez isso seja uma coisa boa. As minhas três cidadanias me dão muita perspectiva, e me ajudam a me colocar nos sapatos de outras pessoas e agir com mais empatia. Entendo perfeitamente o nível altíssimo de privilégio que me permitiu chegar até aqui e manter estas três cidadanias. Meu objetivo é sempre valorizar essa benção e lembrar do quanto é especial poder me sentir em casa em tantos lugares diferentes.

Stay curious,

Nati

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