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Café Creative é uma série de entrevistas com designers e outras pessoas criativas e usam a sua arte para o bem. Para ler outros posts na série, clique aqui.
Por mais que a Europa tenha a reputação de ser o epicentro da inovação na arquitetura e design, a América Latina está conquistando mais espaço no mundo do design. Um dos líderes deste movimento é Emilio Cabrero, arquiteto, designer, e diretor da Design Week Mexico. Quando visitei a Cidade do México, me encontrei com o Emilio na Blend Mexico para um papo super bacana sobre como o design influencia como vivemos, e o papel da América Latina no mundo do design.
Emilio, muito obrigada por conversar comigo hoje! A Cidade do México é a Capital Mundial do Design (World Design Capital) em 2018. Pode me contar um pouquinho mais sobre o que isso significa?
O nosso tema é o “Design Socialmente Responsável,” e nos baseamos em alguns princípios fundamentais: gere oportunidades, restaure a dignidade, transforme com respeito, e preserve o que for valioso. A área de estudo da nossa programação é o habitante como o centro de todas as nossas conversas. Vamos começar com moradia e cidades, e como lidar com todos os seus desafios através do design. Moradia, mobilidade, identidade… Como sabemos que estamos em uma certa cidade? Se eu tirar uma foto em Nova Iorque, você sabe que é Nova Iorque, ou Paris, ou Londres. Como que criamos a nossa própria identidade, especialmente em cidades na América Latina?
As cidades tem um papel muito importante no desafio C40 e em como podemos usar o design para criar espaços públicos melhores. Voltando à ideia de moradia e o foco nos habitantes, não importa tanto se a sua casa for maior ou menor, mas a sua percepção da cidade muda muito se você tiver acesso ao transporte público melhor, a parques melhores, e a espaços públicos melhores. Também queremos conversar sobre a importância das economias criativas na geração de empregos, nas cidades, e nas comunidades locais. Então, estamos promovendo vários programas que a cidade já começou a implementar, como as faixas para ciclistas, melhorias em espaços públicos, e a importância da identidade. O branding da cidade e outros aspectos que fazem da cidade o que ela é.
Basicamente, vamos ter três eventos principais: um fórum internacional de design, um acordo entre prefeitos para criar um programa de intercâmbio de design em várias cidades, e um hub de design internacional. Também teremos muitas palestras ao longo do ano sobre todos os assuntos que eu mencionei em universidades diferentes. O maior legado que poderíamos cogitar para que a Cidade do México fosse a Capital Mundial do Design é a importância de ter um designer quando se está planejando uma cidade. E eu digo “designer” num sentido bem amplo—um arquiteto, um planejador urbano, um designer gráfico ou industrial… Qualquer pessoa que faça parte da comunidade criativa que possa resolver problemas através do design, e implementar mais mudanças numa cidade do que apenas através da burocracia ou do governo. Teremos exposições em parceria com o Museo Tamayo, Museo de Arte Moderno, Museo El Chopo, e o Museo Nacional de Antropologia.
Você diria que a seleção da Cidade do México como Capital Mundial do Design em 2018 é o começo do design sendo aceito pelo público e o governo como uma maneira de construir um futuro melhor, ou isso já está acontecendo?
Já houveram várias iniciativas na cidade, mas acho que esse é o primeiro esforço em grande escala para unir a comunidade e trazer soluções criativas.
O que você acha que contribuiu para a seleção da Cidade do México como Capital Mundial do Design em 2018?
Acho que a Cidade do México é uma cidade hiperconectada. Poderia ser um centro de atividade na América Latina. É muito mais fácil vir ao México se você for um designer querendo mostrar os seus produtos do que ir até os EUA, o Canadá, ou a Europa, que são muito mais distantes e muito mais caros. Além disso, a gastronomia, o cinema, e outras indústrias criativas tiveram um boom muito grande na Cidade do México. Acho que os membros do comitê de seleção, quando chegaram aqui, se surpreenderam com a interação entre universidades, museus, funcionários públicos, e patrocinadores locais para estimular a comunidade local.
Maravilha. Voltando um pouco no tempo, como que você escolheu ser designer?
Desde que eu me lembro, sempre quis ser arquiteto. Então pra mim não foi uma escolha difícil. Sempre disse que queria construir casas. Como um arquiteto, com a minha equipe, construimos o primeiro centro de design, depois este local (Blend Design), e agora trabalhando com a Design Week começamos a trazer o trabalho de designers locais e de designers internacionais. Agora isso já é mais aceito. Vemos que as pessoas estão mais interessadas na qualidade e na proposta de um produto. É algo que tem mudado ao longo dos anos e estamos muito orgulhosos de fazer parte desse momento.
Parece que a percepção pública do design está começando a mudar. Antes, ele era visto como supérfluo, ou luxuoso, mas você concorda que essa percepção está começando a mudar?
Absolutamente, porque o design é tudo, e está em tudo. O design é o seu cartão do metrô—é o gráfico, é o design da programação, é a estação em si, o assento em que você senta no metrô, as placas que indicam onde pegar o metrô e onde sair… as pessoas tem que entender que o design é uma parte muito importante do nosso dia-a-dia, e se ele for empregado por pessoas que deveriam usar ou pensar sobre o design, ele pode mudar muito a cidade.
É verdade. É um dos motivos pelos quais eu escolhi estudar design depois de um semestre na faculdade—antes eu não sabia do poder do design, e que ele realmente faz parte de tudo. Qual você diria que é a principal responsabilidade do designer ou do arquiteto?
Quando você está trabalhando em um projeto, e esse é um dos nossos valores principais, você tem que respeitar aquilo que deve ser preservado. Ter a sensibilidade de que, se você vai transformar algo, tem que fazer isso respeitando o ambiente, a área, o seu contexto—é isso que os designers realmente tem que prezar. Além disso, criar um relacionamento positivo entre produtos locais, tradições locais, materiais locais, e tentar fazer de tudo para minimizar o impacto causado pela importação. É uma responsabilidade muito grande para os designers de hoje e os de amanhã.
O conceito da Cidade do México como Capital Mundial do Design exemplifica muito isso.
Exatamente. Esse conceito se aplica muito à Cidade do México. Somos um termômetro para o resto do país. O que acontece aqui se repete no país inteiro, então é muito importante manter um padrão alto aqui.
Então como funciona o seu processo criativo? Quando você senta para criar algo, como é que isso acontece?
Antes de mais nada temos que entender o que estamos fazendo. Qual é o contexto? Qual é o desafio? Daí, se estamos trabalhando com um cliente ou com uma agência do governo, temos que entender quais são as necessidades deles. Como podemos equilibrar o que eles querem com o que nós queremos, e realmente tentar criar algo mais essencial que providencie o que eles precisam sem nenhum excesso.
Os seus clientes se envolvem muito nos seus projetos?
Depende. Cada projeto e cada cliente é diferente. Tem gente que é super engajada no processo de design, e tem gente que prefere focar em outras coisas. Então o nível de envolvimento depende mais do cliente do que de nós designers.
Você lida muito com aqueles clientes que dizem, “Eu vou saber o que eu quero quando eu ver o resultado final?”
Sim. (risos) Mas quer saber, os clientes—ainda mais se você já tem uma carreira mais longa—eles sabem o que você faz, e eles confiam em você. Eles tem que confiar em você. E eles curtem o seu trabalho. Por isso que é fundamental ter um nível muito alto de colaboração e feedback, porque vocês viram parceiros. Também é importante que eles respeitem o seu conhecimento e a sua experiência. Você não vai ao médico e diz, “Sabe doutor, eu prefiro tomar esse outro remédio aqui porque o meu vizinho, que também é médico, falou não sei o que…” Você não faria isso. Mas as pessoas acham que podem fazer isso com processos criativos porque os designers geralmente são muito humildes e colaborativos.
Concordo 100%. O exemplo que eu sempre uso é que você jamais pediria a um autor que escrevesse um livro sem dizer do que se trata. Por mais que o design seja meio abstrato, ele não deixa de ser um processo muito orientado por objetivos, então a gente tem que saber qual é a direção.
Exatamente. Não importa a sua idade, quantos anos de casa, ou quantos projetos você tem, clientes são clientes. E você tem que manter o cliente feliz, afinal um cliente feliz = projeto feliz.
Verdade. Você ja teve projetos ou clientes que te empurraram pra fora da sua zona de conforto com relação à estética ou expectativas?
Mais os projetos do que os clientes. Por exemplo, o Palácio Municipal da Cidade de São Cristóbal. Recebemos um prêmio porque criamos um novo espaço público, restauramos a praça, criamos um museu da cidade… E entender e canalizar a cultura local enquanto se está tentando adicional algo novo a um edifício antigo foi um desafio gigante. Acho que tem muito a ver com a paixão que se tem pelo seu trabalho, a sua honestidade com relação ao seu comprometimento, e até gratidão pela oportunidade, pelo local, e tentar trabalhar com harmonia. Se você aplicar esses conceitos a tudo que você fizer, especialmente ao seu trabalho—assim como num relacionamento—você cria um ambiente muito melhor.
Isso é muito poderoso. O conceito da gratidão é tão fundamental, mas também muito subestimado.
É muito importante ser grato pelo que se está fazendo, por aqueles que estão trabalhando com você e para você–isso cria uma energia positiva. Novamente, clientes felizes, projetos felizes—pois essa energia flui.
Mesmo se não for exatamente a sua estética ou o que você tinha em mente.
Isso. É importante saber quando bater o pé e quando deixar fluir. É complicado dosar.
Pelo que eu vi do seu trabalho, a sua estética é inovadora e contemporânea, mas também atemporal. Como que você atinge esse equilíbrio?
Eu adoraria que tudo fosse atemporal, porque se as coisas envelhecem bem, a vida do projeto de extende. Se você fica apenas nas tendências, os seus projetos podem ficar mais legais no Instagram, mas eles também serão mais voláteis. O tempo passa, e os bons projetos ficam e vivem com os clientes para sempre. É uma responsabilidade muito grande se encarregar de um projeto em que se está alterando um contexto.
É uma preocupação ambiental também, não é? Se você cria algo que dura mais, você reduz o impacto do projeto com o passar do tempo.
Exatamente. Sabe, eu acho que reciclar, reutilizar, e recuperar é algo que tem agregado mais valor nos EUA recentemente mas é algo que sempre fizemos nos nossos países. As pessoas recuperam, reutilizam, faz parte das nossas culturas. Ainda mais em comunidades menores, as pessoas fazem muito isso. Em países mais desenvolvidos, é mais difícil fazer isso porque as pessoas geralmente não tem a aptidão pra fazer isso.
Concordo! Também acho interessante ver como isso afeta o tempo que leva para completar uma construção. Não sei aqui no México, mas no Brasil como tantas casas e edifícios são feitos com concreto, demora muito mais pra construir. Nos EUA se constrói uma casa com drywall em poucos meses, e acho que isso afeta a atitude das pessoas com relação à durabilidade da sua propriedade e a facilidade com que elas podem repor uma casa.
É igualzinho aqui no México. A construção em concreto é um desafio, não? Nos EUA, passam 30 anos e eles podem demolir e construir algo novo.
Verdade. Eu e o meu marido compramos uma casa que foi construída na década de 1890 justamente porque queríamos algo que tenha sido construído para durar. É exatamente o desafio que você descreveu antes—atualizar e trazer nova funcionalidade mas respeitar o que deve ser preservado.
Que bacana! Você deveria voltar para o Design Week para se inspirar.
Nossa, eu adoraria! O ano inteiro de 2018 vai ser um Design Week ao cubo, né?
Sim! (risos)
Com a seleção da Cidade do México como Capital Mundial do Design em 2018, como você vê o papel do design daqui para frente?
Não sei o que está pela frente, mas acho que o importante é colocar o sujeito na primeira fila. Trazê-lo para a comunicação em massa, a comunidade, e juntar o governo e a comunidade criativa. Todo o trabalho que fizermos juntos daqui pra frente vai ser mais forte porque temos essa base.
Emilio, muito obrigada, e parabéns!
Eu que agradeço!
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